Uso de Comestíveis como Reforço
- Valéria Rodrigues
- 4 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de ago. de 2020
Quando falamos em terapia comportamental é muito comum ouvirmos sobre o uso de comidas como forma de reforço. Porém, para podermos entender um pouco mais sobre a utilização de reforços comestíveis na terapia, precisamos primeiro entender o conceito de reforço. Reforço é tudo aquilo que aumenta a probabilidade do comportamento ocorrer de novo, sendo que ele pode ser classificado como:
Comestíveis: doces, frutas, biscoitos, guloseimas;
Sensoriais: abraço, jogar pra cima, um toque, cócegas;
Tangíveis: brinquedos, livros, figurinhas, itens de interesse;
Sociais: um elogio, um sorriso, um aceno de cabeça, ou a própria interação social.

Sempre que ensinamos uma habilidade nova para a criança, a recompensa deve ser dada depois de cada tentativa bem-sucedida (imediatamente após a resposta correta), para que a criança se sinta motivada a repetir aquele comportamento. Quando falamos de reforço comestível, se trata de entregar uma guloseima (por exemplo) para a criança, após uma resposta correta que ela apresentou no processo de aprendizagem (ensino de habilidades). Mota, 2018, diz que à medida em que a criança domina cada habilidade, gradualmente é reduzido a frequência do reforçamento. Por quê? Alguém já ouviu um pai dizendo ao filho de 10 anos “Muito bem! Você disse ‘papai’"? O objetivo não é que a criança fique dependente do reforçamento para realizar algo. Reforçamento contínuo não é um esquema natural. É preciso que chegue o mais perto do natural possível.
Por isso, tão importante quanto reforçar a criança é fazer a retirada do reforço, para que os novos comportamentos se tornem um hábito.
O uso de comestível na terapia, ainda é um assunto por muitas vezes polêmico, pela correlação ao adestramento. "Utilizar reforçadores não significa adestrar, mas sim ensinar!"
De Acordo com a Martin & Pear (2009), é necessário desconstruir a noção de adestramento na intervenção baseada na Análise do Comportamento Aplicada (ABA), uma vez que são as consequências que mantém ou modificam as ações dos indivíduos. Reforçadores existem e selecionam respostas, quer sejam programados ou não. Isso é um dado científico. Então por que não estudá-los e utilizá-los a favor da aprendizagem? Utilizar reforçadores não significa adestrar, mas sim ensinar. Vale destacar que os reforçadores funcionam independente de idade ou diagnóstico. Por exemplo, ao sinalizarmos para um ônibus, o motorista para (ou deveria parar); ao girarmos a chave no carro, ele liga; ao trabalharmos, recebemos salário; ao estudar, um aluno tira uma boa nota, todas estas consequências são consideradas reforço e por isso repetimos tais comportamentos.
Qual o tamanho certo do reforço comestível?
Talvez esse seja um assunto tão divisor de opiniões, exatamente pelo julgamento que existe antes de que se busque entender um pouco mais da ciência (ABA). Para que o reforço comestível atinja o propósito na terapia (instalação e generalização de novas habilidades) existe alguns fatores que são essenciais e que, em paralelo desmistificam um pouco dessa temática, como por exemplo o "tamanho" deste comestível.
Uma mãe pode questionar ao terapeuta por exemplo: "Mas quantas balas de goma meu filho, vai comer em uma sessão?". Se o pensamento for quantas balas a criança irá ingerir durante a terapia, realmente todas as mães e demais profissionais que atendem a criança (médico, nutricionistas, dentista etc), vão se preocupar com o uso do reforço comestível, porém para utilizar o comestível de forma eficaz na sessão, precisamos entender que este reforço é reduzido mais de 20 vezes o seu próprio tamanho. Uma bala de goma por exemplo, chega a ser transformada em 26 pedaços, ou seja, a cada 26 respostas certas (somente quando a criança acertar ela será reforçada), ela irá comer uma bala de goma inteira.
Entenda o processo de corte do comestível:

O reforço comestível é diminuído por alguns motivos:
Saúde: obviamente que existe a preocupação com a saúde da criança (peso, dentes, alimentação etc), além disso, é necessário verificar se a criança possui alguma restrição a algum alimento e respeitar as orientações médicas;
Saciedade: a saciedade é um ponto extremamente importante no uso de reforços comestíveis, se a criança comer muito de algum alimento, irá saciar rapidamente e por consequência o reforço perderá a força, impactando na resposta dos treinos;
Privação: para que o item, seja comestível ou não, tenha o peso de reforço, é importante estar em privação do mesmo, para que o reforço seja poderoso o suficiente se tornando eficaz na terapia. Se a criança comer um pacote de balas de goma todos os dias, obviamente que não irá dar mais tanta atenção ao reforço, entramos aqui no conceito de saciedade também;
Mastigação: quanto menor for o tamanho do reforço comestível, mais rapidamente será possível dar sequência no treino. Diferente de um adulto, uma criança pode mastigar muito lentamente, logo, se darmos uma bala de goma inteira para a criança, o tempo que ela levará para comer, irá impactar diretamente na fluidez do treino e impactar nas próximas respostas da criança também;
Sabor: os comestíveis são cortados a um tamanho que ainda prevaleça o sabor, somente assim o mesmo continuará sendo um reforço poderoso na sessão.
Logicamente que essa foi uma pincelada sobre o assunto, para entendermos a importância e o impacto do reforço na terapia precisaríamos de horas (dias, meses e anos rsrs) de estudo teórico e prático, ainda mais se considerarmos que nenhuma criança é igual, e é extremamente importante avaliar cada uma para entender seu funcionamento e avaliar assim qual reforço trará mais impacto positivo no processo de aprendizagem.
Vale ressaltar que a escolha do uso de comestíveis deve ser em último caso, sempre devemos dar prioridade aos reforços sociais, sensoriais, em sequência para os tangíveis e por último os comestíveis. Lembrando que em casos de crianças com interesses restritos e pouca intenção ou interação social, inicialmente o uso de comestíveis pode ser o único recurso e conforme a criança evolui é feito o trabalho de incluir novos tipos de reforços, inclusive para aumentar o repertório da criança.
Deixamos aqui um convite para que todos busquem cada vez mais conhecer a ciência ABA e todos os ganhos que ela pode trazer!
Assista o vídeo completo sobre o Comestível na Terapia em nosso canal do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=NZs4qUZ44t4
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Referências:
Martin, G., & Pear, J. (2009). Modificação de comportamento: o que é e como fazer. Tradução organizada por N. C. Aguirre. 8ª Edição. São Paulo: Roca.
Mota, A. C. W. Análise do Comportamento Aplicada e transtornos do desenvolvimento. 2018. Disponível em: https://docero.com.br/doc/n5v00e